Da esquina eu vejo um senhor, vejo sua calmaria vindo em minha direção. Suas rugas apresentam sua idade e seu valor de uma vida longa. Suas mãos desconhecidas me mostram sua história e luta. Um chapéu marrom escuro. Calça bem passada assim como a camisa de punho. Relógio de bolso. Ele retira o chapéu e mexe em seus cabelos brancos que refletidos ao sol da manhã brilham intensamente, são lindos. Seus olhos claros parecem me descobrir ou ao menos, tentar. Mas nada sai de sua boca.
Ele se aproximou, olhou o relógio e sorriu. Correspondi meio encabulada, jamais havia o visto. Fingi estar lendo um papel de propaganda que em minha mão estava. Ele falou e era comigo. Ele me contou uma história, a que eu precisava ouvir. Disse- me ele:
- Olha moça, sabia que tem muita gente que diz que ouvir a voz da experiência é importante? Mas nem sempre é assim, eu sei disso.
O que aquele senhor estava querendo me dizer? Eu não o conheço, não sei seu nome e nem daqui ele é. Assenti com a cabeça e esperei ele colocar o chapéu e continuar:
- Conheci um garoto, hoje já é um homem casado, que morava com a mãe e irmã. Pais separados. A mãe dele sempre o incetivou a seguir a carreira militar e ele gostava da idéia também. Foi ele pra Academia Militar então. Passado um tempo, não suportando mais aquela vida foi falar com a mãe que ia largar e que não queria realmente seguir esse rumo. A mãe que tinha o sonho de ver seu filho lá formado não se conformou e não aceitou a mudança. Disse ao pobre rapaz que se largasse, teria que abandonar a casa também.
Pensei em dizer algo, não sabia muito bem o que expressar àquele corpo senil. Mas antes de qualquer objeção ou interrupção minha ele prosseguiu.
- O menino não quis nem saber, ele é que tinha que saber o que queria pra vida. Cada um sabe de si, não é mesmo? Então, ele deixou a mãe, foi morar no Rio de Janeiro com o pai, sua irmã também. Hoje em dia, é um danado sujeito bom de vida, honesto e requisitado arquiteto.
- É verdade, tem muita coisa que o ser humano não pode interferir na vida do outro. Cada um sabe de si como o senhor mesmo disse. Mais tarde você se responsabilizará por todas as escolhas feitas aqui na Terra. E assim é na profissão também, ainda mais sendo algo que moldará e fará de fato o decorrer da sua vida.
- Tá vendo? É isso que a mãe dele tinha que saber, mas não, preferiu entrar em discussão com o filho por um sonho que era dela. Ó meu ônibus aí, não sei se vou nesse. Ah, vou no de trás.
- Eu também vou no de trás.
- Ah, nem sou daqui. Vou pegar um outro na rodoviária. Nem pago ônibus mais.
Ele sorriu e deu sinal.
- Com o absurdo dessa passagem, não pagar ônibus é ótimo mecanismo de sobrevivência nos dias atuais.
Ele me respondeu em voz alta seguindo em direção a porta da frente do meio de transporte:
- Acordar todos os dias já é o mecanismo, moça!
Entrei no ônibus e ele veio ao meu encontro afirmando o que havia gritado logo ao entrar. Despedi-me dele que já havia começado uma conversa com o trocador e sentei em um banco mais a frente. Logo desci e segui meu dia.
Dia incomum. Hoje um anjo me visitou, hoje um anjo veio a me contar. Um anjo velho de chapéu, relógio e olhos brandos. Incomum dia para se ver um anjo, lugar próprio para se passar o tempo enquanto espera sua volta pra casa, local apropriado para se comprar doces e balas e adoçar a boca. Mas hoje eu quis mais, hoje eu preferi adoçar minha alma.
2 comentários:
incrível, pessoas passam, e por vezes nem deixam nome, mas deixam uma sensação de paz e um aprendizado, mesmo que seja só pelo seu jeito de ser...
e isso tem um gosto especial quando sabemos que não existe acaso
incrível como você imita até meu pensamento!!! é um ótimo plagiador, meus parabéns! brincadeira vicente! são anjos, só podem ser e tem uma fisionomia esplêndida.
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